Há algo de profundamente revelador na forma como duas mulheres foram tratadas no Senado brasileiro com poucos dias de diferença.

    De um lado, Virgínia Fonseca — influencer bilionária, rosto de campanhas publicitárias de bets e símbolo de um novo tipo de entretenimento que vicia, empobrece, destrói famílias e nossa economia. Foi ouvida na CPI das Apostas em 29 de abril como se fosse uma estrela convidada. Fotografada com senadores, tratada com deferência e cercada de elogios. Até carão ela deu na relatora Soraya Thronicke, com altivez. A impressão era a de que a CPI não buscava confrontar o poder das bets, mas sim legitimá-lo. Um teatro onde os parlamentares pareciam levantar a bola para que ela cortasse.

    De outro, Marina Silva — ministra do Meio Ambiente, ex-seringueira, respeitada internacionalmente por sua trajetória. No dia 27 de maio, foi chamada de “desonesta” e “má” por um senador em plena audiência. Foi interrompida, hostilizada e, diante da violência verbal, precisou deixar a sessão. Um episódio que não gerou selfies, sorrisos nem tapinhas nas costas. Apenas constrangimento. E silêncio cúmplice.

    Há críticas legítimas a se fazer a qualquer figura pública — e Marina não está acima disso. Mas a diferença de tratamento diz muito sobre o Brasil de hoje. Onde quem estimula o vício digital é bajulado, e quem não ostenta o poder digital de milhões de seguidores e defende pautas que incomodam bancadas poderosas, não recebe apenas críticas — é tratado com agressividade desproporcional. E a CPI vira palco, não instrumento de apuração. — Discordo em diversas questões das pautas da Marina Silva mas não acho que a falta de respeito ajude.

    Não se trata de esquerda ou direita. Trata-se de respeito. E da inversão moral que tomou conta das instituições.

    Até onde a hiperpolarização promovida pelos algoritmos vão estimular a intolerância? Estamos normalizando o absurdo.

    Foto: Reprodução TV Senado/CNN

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