Lawrence D. Freedman, com a elegância seca de um veterano das análises estratégicas, propõe na Foreign Affairs uma pergunta incômoda: ainda faz sentido falar em “estratégia” militar num mundo em que as guerras se arrastam por décadas sem começo, meio ou fim? Seu ensaio — The Age of Forever Wars — parece responder com um suspiro cético: talvez não.
Freedman parte de um paradoxo que os estrategistas teimam em ignorar — a estratégia, no fundo, é uma ficção bem contada. Durante séculos, generais, estadistas e acadêmicos moldaram a ideia de que a guerra podia ser domada por mapas, teorias e cronogramas. Clausewitz, com sua prosa quase bíblica, ainda serve de oráculo nas academias militares. Mas o mundo de hoje não se curva a esses manuais.
Desde a Guerra do Golfo de 1991, finda em semanas, o Ocidente se acostumou a acreditar que poderia vencer guerras da mesma forma que se vence uma licitação pública: com superioridade técnica, logística e moral. Mas o Iraque pós-2003 e o Afeganistão dos últimos 20 anos provaram que a realidade é imune à geometria dos think tanks. A vitória — esse conceito obsoleto — se tornou uma miragem.
Freedman descreve um mundo em que a estratégia é devorada pela política interna, pelo medo de repercussão midiática e pelas alianças frágeis. O teatro de guerra é sempre transmitido ao vivo, o inimigo já não veste uniforme, e a linha entre militares e civis desapareceu — junto com a esperança de encerramento. Não há mais Versailles ou Hiroshimas. Há apenas relatórios, enclaves, incursões e ciclos de reconstrução de ruínas.
No ensaio, os exemplos aparecem como advertências: Afeganistão, Ucrânia e Gaza, além dos numerosos conflitos na África, incluindo no Sudão e no Sahel, que não têm fim à vista. Cada um a seu modo desmente a ideia de que a guerra pode ser “gerida”. No Afeganistão, a saída americana foi tão humilhante quanto previsível. Na Ucrânia, a Rússia acreditou numa blitzkrieg — e acordou num pântano. Em Gaza, Israel ainda procura “neutralizar” o Hamas com bombas. Tudo isso sob o olhar do noticiário.
A guerra longa e malsucedida dos Estados Unidos no Vietnã e da União Soviética no Afeganistão são os traumas originários das forever wars: intervenção longa, objetivos difusos, retirada humilhante.
O que Freedman diz é que “uma teoria de vitória viável requer uma estratégia na qual os objetivos militares e políticos estejam alinhados”. Talvez, porém, a estratégia tenha virado mais um item de autoajuda para militares deprimidos do que uma disciplina real. Fala-se em estratégias “híbridas”, “assimétricas”, “cibernéticas”, mas o que se vê são potências tropeçando em sua própria soberba e insurgências que se eternizam como franquias do mal.
A ironia maior, que atravessa o texto de Freedman, é que as guerras que não acabam são também as que menos se prestam a decisões estratégicas. Os líderes não sabem como entrar — e menos ainda como sair. A paz se torna inviável, não porque não haja negociação possível, mas porque o conflito virou um sistema de governo: sustentado por interesses internos, financiamento externo e uma certa inércia geopolítica.
Freedman não diz isso com cinismo, mas com o esgotamento de quem já viu esse filme muitas vezes. Em um mundo onde a guerra se tornou rotina, a ideia de que um bom plano pode domá-la soa tão ingênua quanto a fé em tratados sobre o clima.
Em um certo sentido, a era das guerras eternas é também a era do colapso da autoridade estratégica. Os políticos terceirizam decisões para generais. Os generais terceirizam para algoritmos. E os algoritmos devolvem respostas probabilísticas — que ninguém entende, mas todos seguem.
No fim, a pergunta essencial é: o que queremos quando falamos em “estratégia”? Vitória? Controle? Narrativa? Talvez tudo isso seja um consolo. Freedman nos alerta que, nas guerras do século XXI, não há finais. Só prolongamentos. Só versões. Só tragédias em suspenso. “Subestimar os recursos políticos, assim como os militares, do inimigo é uma das principais razões pelas quais as estratégias de guerra curta falham”, arremata.
Como diria Luiz Felipe Pondé, o problema de fundo é metafísico: perdemos a ideia de fim e de objetivo.
*Thiago Moura de Albuquerque Alves